Bancos podem reter valores da conta salário indevidamente?

Os descontos indevidos (sem autorização) em conta salário, por parte dos bancos têm sido problemas cada vez mais recorrentes, sejam eles por conta de empréstimos, cestas de serviços não contratados pelo cliente, ou nos casos de utilização de cartão de crédito não solicitado, ou daqueles clonados, dentre outros casos…

Pouco tempo atrás, atendí uma cliente que, embora não tenha solicitado ao banco um cartão de crédito (e por isso nunca o recebera), ao analisar a movimentação de sua conta corrente (conta salário), ela constatou que o banco, sem aviso prévio, e sem autorização, realizou um desconto para saldar fatura do referido cartão não reconhecido. Destaca-se que os gastos nele realizados, ocorreram em outro Estado da Federação, nunca visitado pela correntista.

Após procurar o banco, ela foi orientada a realizar uma contestação de cada despesa, ou seja, mais de 20 (vinte) ocorrências, além de pedir o cancelamento do cartão. E por fim, prometeram que dentro de poucos dias, o dinheiro seria devolvido para sua conta. 

Ocorre que, em razão daquele desconto, a cliente entrou no limite do cheque especial, ficou sem meios de comprar o material escolar de sua filha. Tal fato provocou um desequilíbrio financeiro tamanho, que estrangulou seu orçamento familiar, pois como a mesma ganha pouco, e cria sozinha sua filha menor, essa situação trouxe grande abalo psicológico e constrangimento.

Após semanas aguardando providências do banco, e sem solução, ela nos procurou, a fim de tomarmos as medidas judiciais cabíveis. Sobre esses casos, a legislação pátria nos adverte sobre a ilegalidade da instituição financeira em realizar tais descontos, tal como estabelece o inciso IV do artigo 649 do Código de Processo Civil:

“São absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal”.

Por isso, comete ato ilícito a instituição financeira que, sem autorização, compromete os rendimentos mensais do correntista para pagamento de dívida, ainda mais, quando essa não fora por ela contraída. Nestes termos, no caso em comento, o ato ilícito em questão está configurado, e,  portanto, apto a gerar indenização por danos morais, tendo em vista que a correntista/consumidora está sendo injustamente privada do seu único meio de subsistência, sendo impossibilitada de suprir as suas necessidades básicas e as de sua família. 

A própria Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso X, garante a proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa. 

A desculpa utilizada pelas instituições bancárias é sempre a mesma, alegando que com o objetivo de justificar a retenção de qualquer crédito existente em conta-corrente, os bancos afirmam que quando efetivado o depósito, tal verba deixa de ser caracterizada como salário, sendo, portanto, suscetível de ser utilizado para pagamento de dívidas, entendimento esse que conflita com a legislação vigente.

A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, acerca da ilegalidade do desconto indevido, pacificou entendimento, conforme decisão proferida no REsp 831.774, em que o Ministro Humberto Gomes de Barros avaliou a ilicitude da ação do banco que, ao valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito pelo empregador, retém o pagamento para cobrir saldo devedor de conta corrente.

Tal medida, como bem destaca o julgado, mostra o exercício arbitrário das próprias razões, eis que os bancos devem se valer das medidas legais cabíveis para recebimento dos créditos.

Se nem mesmo ao Judiciário é lícito o bloqueio de salários, seria a instituição financeira autorizada a fazê-lo? Pelo que observamos da maioria dos julgados analisados, temos que a resposta é negativa. Vejamos o que dispõe o STJ sobre o tema:

BANCO – RETENÇÃO DE SALÁRIO PARA COBRIR SALDO DEVEDOR – IMPOSSIBILIDADE. Não é lícito ao banco valer-se do salário do correntista, que lhe é confiado em depósito, pelo empregador, para cobrir saldo devedor de conta corrente. Cabe-lhe obter o pagamento da dívida em ação judicial. Se nem mesmo ao Judiciário é lícito penhorar salários, não será instituição privada autorizada a fazê-lo. (STJ – REsp. 831.774-RS – Acórdão COAD 123590 – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – Publ. em 29-10-2007)

Nesse entendimento, tendo como base o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, no qual é assegurado ao trabalhador o recebimento de salário proveniente do seu esforço e manutenção da sua subsistência e da sua família, nada há que justifique a prática habitual e lesiva das instituições financeiras em reter a integralidade ou parte significativa do saldo depositado em conta do correntista, para pagamento de faturas de cartões de créditos, despesas acessórias, ou limite de cheque especial.

Ademais, a relação da correntista com a instituição financeira se caracteriza como sendo uma relação de consumo, e rege-se pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, tal como se verifica nos artigos a seguir:

CDC Art 6°: São direitos básicos do consumidor:

VI- a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

CDC Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

CDC Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

A caracterização do correntista como consumidora, tem amparo no art. 2º do CDC; e das instituições financeiras como fornecedoras está positivada no art 3°,caput do CDC e especialmente em seu §2°:

Art. 2° “Consumidor é toda pessoa física ou  jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art.3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. ”

Conclusão:

Desta forma, comprovada a atitude ilegal da instituição financeira, orientamos que os clientes lesados procurem um advogado (a) de sua confiança para tomar as medidas judiciais cabíveis.

Para saber mais, entre em contato: www.dalimaradvogada.com.br.

ARTIGO 13- MUDANÇAS RECENTES SOBRE O INVENTÁRIO E A COBRANÇA DO ITCMD

O cenário legal brasileiro recebeu importantes mudanças e muito benéficas no tocante ao INVENTÁRIO e no tocante ao ITCMD (imposto de transmissão “causa mortis” e doação, de quaisquer bens ou direitos).

Conforme já referido no artigo de nossa autoria, publicado em 14 de novembro de 2019, nesse Portal: “Divórcio e Partilha de bens podem ser feitos no Cartório de Notas?, há inúmeras vantagens de fazer um inventário no âmbito Extrajudicial (Cartório de Notas), mas para tanto é necessário cumprir alguns requisitos, dentre os quais: os herdeiros devem ter acompanhamento de advogado (s); ser consensual; ausência de herdeiros incapazes, e também havia a previsão de que caso houvesse testamento, o inventário terá que ser realizado no âmbito judicial, necessariamente.

Eis aí uma grande inovação no tema de Inventários e Testamentos, o artigo 610 do Código do Processo Civil, Lei 13105/15 prevê essa possibilidade, tal como se verifica a seguir:

Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial. § 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.

No entanto, a jurisprudência mais atualizada está admitindo que embora haja testamento, o inventário poderá ser realizado no Cartório de Notas, conforme o Enunciado 600 do Conselho da Justiça Federal –CJF:

Após registrado judicialmente o testamento e sendo todos os interessados capazes e concordes com os seus termos, não havendo conflito de interesses, é possível que se faça o inventário extrajudicial.

O novo entendimento do referido enunciado se justificou pelos seguintes argumentos:

“Só a existência de testamento não serve de justificativa para impedir que o inventário seja levado a efeito extrajudicialmente. Muitas vezes, as disposições testamentárias não têm natureza patrimonial. Em outros casos, claros são os seus termos, não ensejando qualquer dúvida dos herdeiros e dos beneficiados quanto à última manifestação de vontade. Inclusive muitos juízes, quando do registro do testamento, têm autorizado o uso da via extrajudicial, sem que tal afete a higidez do procedimento levado a efeito perante o tabelião. A Justiça paulista foi a pioneira, tendo a Corregedoria Permanente se manifestado favoravelmente a esta prática. De qualquer modo, persiste a possibilidade de serem discutidas, na via judicial, eventuais controvérsias sobre a validade do testamento ou de alguma de suas cláusulas. Certamente esta é uma medida para desafogar a já tão congestionada Justiça, não envolvendo os magistrados em processo no qual nada têm a decidir, além de assegurar às partes uma solução mais rápida a uma questão que não necessita da chancela judicial.”

Desta forma, embora o texto da lei não tenha sido alterado, mas o seu entendimento foi, e de forma muito acertada, vez que a meu ver, salvo melhor juízo, diante da inoperância do judiciário nacional, deveriam ser submetidas aos tribunais apenas os casos que são imprescindíveis a apreciação dos magistrados.

Não é incomum os casos de inventários que se arrastam por anos, sem resolução e os bens de tão depreciados, muitas vezes deixam de cumprir seu papel social, como nos casos de bens imóveis. Em Manaus, desde o final de 2019, já temos casos de inventários realizados dentro desse novo entendimento com sucesso. 

Outra novidade se refere ao pagamento do tributo estadual ITCMD:    “Imposto de transmissão causa mortis ou doação”, que tem como fato gerador na incidência do imposto, os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão.

A transmissão de propriedade ou domínio útil de bem imóvel e de direito a ele relativo, situado no Estado, sujeita- se ao referido imposto.

Desta forma, recentemente, a 3ª câmara de Direito Público do TJ/SP garantiu a uma herdeira o abatimento de dívidas deixadas pelo “de cujus” (falecido) do cálculo do ITCMD. Para o colegiado, o imposto deve incidir sobre o patrimônio líquido transmitido e não sobre a integralidade do monte-mor, deduzindo-se o passivo da herança.

O relator do caso em comento, o desembargador Marrey Uint, manteve a sentença na íntegra. O magistrado citou o art. 155 da CF, que dispõe sobre o ITCMD, bem como a disciplina estadual acerca do imposto e o Código Tributário Nacional-CTN, e justificou da seguinte forma:

“A base de cálculo do ITCMD se perfaz dos bens que o “de cujus” possuía, portanto, daquilo que ele, de fato, detinha em seu ativo, excluindo-se o passivo.” (grifo nosso)

Ademais, o relator também mencionou a inteligência dos artigos 1.792 e 1.997 do CC:

“Os dispositivos […] confirmam que a herança responde pelas dívidas do “de cujus”, sendo, inclusive, assegurado ao juiz do inventário que reserve bens suficientes para o pagamento dos débitos comprovadamente devidos (§ 1º do art. 1.997).

A base de cálculo do ITCMD deve observar o valor venal do bem ou direito transmitido, não incidindo, portanto, sobre a totalidade do patrimônio inventariado¹, mas apenas sobre a herança positiva a ser transmitida aos herdeiros, já abatidas as dívidas.” ¹(https://www.migalhas.com.br/quentes/303059/itcmd-deve-incidir-sobre-patrimonio-apos-descontadas-as-dividas).

Isso quer dizer que, ao se calcular o referido imposto de transmissão, deve-se abater dos valores dos bens, as despesas deixadas pelo falecido, e sobre esse valor restante (líquido) é que deverá ser cobrado o ITCMD. 

Vale referir que no Estado do Amazonas, a alíquota desse imposto é de 02 % (dois por cento) sobre o valor do patrimônio, conforme a Lei Complementar Nº 19/1997, esse percentual é bastante favorável, visto que em outros Estados da federação, esse imposto é progressivo. 

Essa ideia serve de parâmetro para o cálculo dos honorários advocatícios, vez que os mesmos deveriam ser auferidos dentro desta mesma lógica, portanto fique atento (a).

Esse artigo não objetiva esgotar esse tema, mas informar numa linguagem acessível, as mudanças ocorridas no tocante ao inventário, bem como no cálculo do ITCMD, mudanças muito benéficas, vale dizer. 

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