Adoção direcionada: o princípio da proteção integral do menor

O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente (também denominado de Princípio da Proteção Integral do Menor) está previsto na Constituição Federal no caput do artigo 227, o qual determina que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.″

O referido Princípio Constitucional também encontra previsão expressa no inciso IV, art. 100 do Estatuto da Criança e o Adolescentes-ECA, ele deve balizar todas as decisões concernentes à vida do menor, e o Estado deve ser o seu garantidor, tal como fora dito no artigo de nossa autoria, publicado neste Portal no dia 05/12/2019 intitulado “Guarda de Menor a Terceiros: Benefícios e Possibilidades”, vale conferir:

IV – interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009)

Segundo a Carta Magna e o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, toda criança tem o direito de ser criada em seu círculo familiar, tal direito tem como finalidade resguardar o seu crescimento saudável e protegido de todo e qualquer tipo de negligência e exploração. Porém, ante os sinais de riscos ao seu desenvolvimento, a atual legislação prevê medidas de proteção (art. 98 a 102 do ECA), inclusive com a previsão da sua colocação em família adotiva, tal como se verifica no artigo 100, inciso X:

X – prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isso não for possível, que promovam a sua integração em família adotiva; (Redação dada pela Lei nº 13.509, de 2017)

No tocante à adoção, trata-se de uma prática bastante antiga, tal instituto tem sofrido mutações nos diplomas legais, e nas civilizações em geral, com registros conhecidos desde os tempos bíblicos, no Velho Testamento, por exemplo, tal como o relato do bebê Moisés encontrado numa cesta de vime, pela filha do faraó do Egito (Bíblia Sagrada, Livro de Êxodo capítulo 02). Ou ainda, aduz o relato bíblico acerca da hebreia Hadassa que foi adotada pelo seu primo, Mardoqueu ou Mordecai, e essa veio a se tornar a Rainha Ester (Livro de Ester Bíblia Sagrada). 

No tocante à legislação nacional, a Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 39, §1º e §3° asseguram que a adoção é uma medida que deve ocorrer quando esgotadas as possibilidades da manutenção do menor na família natural ou extensa, e aduz que, em havendo conflitos de interesses do adotando e de outros sujeitos, devem prevalecer os direitos e interesses do adotando, como se verifica a seguir:

Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.

§ 1 o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) 

§ 3 o Em caso de conflito entre direitos e interesses do adotando e de outras pessoas, inclusive seus pais biológicos, devem prevalecer os direitos e os interesses do adotando. (Incluído pela Lei nº 13.509, de 2017). 

Os direitos dos filhos decorrentes da adoção são garantidos no texto constitucional, no §6°do artigo 227, que assegura a igualdade de direitos entre os filhos havidos da relação do casamento ou não, com aqueles advindos da adoção, conforme se verifica a seguir:

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Na Adoção, essa regra merece ser seguida, ao ponto de ser o foco principal na decisão pelo deferimento da adoção, vez que muitos julgadores entendem que o critério deve ser a obediência rígida da fila nacional da adoção, sob pena de frustrar a expectativa dos adotantes. Entretanto, se caso a criança já tiver estabelecido vínculos com uma família substituta que reúna condições de oferecer-lhe amor, proteção e cuidados, por que não lhe dar preferência? 

Dessa forma, as opiniões dos operadores do direito se divergem nesse ponto, afinal, o Melhor Interesse deve atender à Criança ou aos Adultos que se encontram na fila de adoção?

A doutrina chama o citado caso acima de “Adoção Dirigida” ou ainda “Adoção Intuito Personae”.

Segundo as lições de Sousa, Eduarda Santos¹que defende a flexibilização dessa regra da ordem da fila de adoção, aduz que:

O importante não é obter uma criança para uma família, mas antes, resguardar às crianças e aos adolescentes que esperam pela adoção o direito de terem uma família.

Discute-se a necessidade de se dar efetividade ao cadastro de pretendentes à adoção, nos moldes do que impõe o artigo 50, caput e parágrafos, do Estatuto da Criança e do Adolescente, frente à sua flexibilização, com respaldo no Princípio do Melhor Interesse, em situações excepcionais de formação de vínculo afetivo entre o adotando e os guardiões de fato, a fim de se garantir que a criança ou o adolescente não sofra os efeitos maléficos da separação ou da perda dessa convivência.

Para a referida autora¹, a concessão da adoção intuitu personae é uma forma de agilizar o processo adotivo e melhor amparar os interesses do adotando, reduzindo-se o impacto originado pelo grande número de crianças e adolescentes que aguardam uma família substituta. A decisão deverá necessariamente levar em consideração a existência ou não de laços de afinidade já formados, sem se perder de vista que tal ponderação tem que ser realizada sob a ótica do adotando.

Segundo Maria das Dores Barbosa Oliveira &  Manoel Messias Pereira²,  essa forma de Adoção Dirigida é uma adoção consensual, pela qual a criança ou o adolescente é entregue para uma família específica, determinada e escolhida pelos pais biológicos e não pelo Estado, sem ser levado em consideração o cadastro prévio de adotantes.

Nessa modalidade, o menor não precisaria passar por instituições, indo direto para a família substituta, facilitando desta forma a realização da adoção e buscando o melhor para o adotando, tendo em vista que será levado em consideração o princípio da afetividade, ou seja, os laços de afeto existentes entre o adotando e o adotante, o grau de aproximação entre ambos, bem como, o melhor interesse do menor e citam as definições de Maria Berenice Dias a esse respeito:

Chama-se de adoção intuitu personae ou adoção dirigida quando há o desejo da mãe de entregar o filho a determinada pessoa. Também é assim chamada a determinação de alguém em adotar uma certa criança. As circunstâncias são variadas. Há quem busque adotar o recém-nascido que encontrou no lixo. Também há esse desejo quando surge um vínculo afetivo entre quem trabalha ou desenvolve serviço voluntário com uma criança abrigada na instituição. Em muitos casos, a própria mãe entrega o filho ao pretenso adotante. Porém, a tendência é não reconhecer o direito de a mãe escolher os pais do seu filho. Aliás, dar um filho à adoção é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não poderá criá-lo, renunciar ao filho, para assegurar-lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica. E nada, absolutamente nada, deveria impedir a mãe de escolher a quem entregar o seu filho.

O ECA possui previsão expressa sobre a convocação criteriosa do cadastro nacional de adoção, tal como se verifica no artigo 50, §12º, as únicas exceções estão elencadas no seu §13º:

§ 12.  A alimentação do cadastro e a convocação criteriosa dos postulantes à adoção serão fiscalizadas pelo Ministério Público. 

§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

 I – se tratar de pedido de adoção unilateral; 

II – for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; 

III – oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. 

Conclusão

Ante o exposto, a reflexão cuidadosa acerca dessa modalidade de adoção no mundo jurídico e pela sociedade em geral é de grande relevância, considerando-se que tal possibilidade ainda não é considerada como legal pelo nosso ordenamento jurídico. 

Entretanto, considero que a Adoção Dirigida (intuito personae) é válida e benéfica, nos casos em que se constate a boa convivência do adotando com a família que escolheu adotar, mesmo que essa não esteja na ordem de convocação do cadastro nacional, ou mesmo se ela nem esteja habilitada.

Cada caso é um caso, o Princípio do Melhor Interesse ou da Proteção do Menor deve ser o ponto central na análise, e não a primazia do critério objetivo da fila nacional, pessoalmente me filio à ideia de que essa flexibilização do citado critério pode beneficiar o adotante, que conviverá com pessoa com quem já tem um vínculo afetuoso, bem como, facilitará o sistema de adoção brasileiro, no qual muitas crianças ou adolescentes, pelo fato da morosidade e burocracia no sistema judicial muitas vezes diminuem as chances dos menores conseguirem efetivamente um lar adequado. Fato que se observa pelos abrigos abarrotados de crianças para serem adotadas, e a fila de adoção tão extensa.

Esse ponto de vista, no entanto, não desconsidera a necessidade de haver o controle do Estado sobre o processo de adoção pela família escolhida (seja pelo adotado ou pelos pais dos menores entregues à adoção). Mas, que a flexibilização caso a caso precisa ser fortemente considerada pelos juizados da Infância e Juventude. 

O presente artigo não pretende esgotar essa matéria tão complexa, mas deseja lançar luzes a essa discussão.

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